sexta-feira, 24 de junho de 2016

O recalque na histeria de medo.


Antes de começarmos a discutir o que Sigmund Freud, em seu artigo Recalque (1915), fala especificamente a respeito da Histeria de medo, vamos esclarecer um ponto que, dentre as edições que usamos para as nossas discussões semanais em nosso grupo de pesquisa, se faz muito presente: medo, ansiedade ou angústia?

A Standard Edition usa, ao longo da obra freudiana, a palavra ansiedade para traduzir o alemão Angst. Por exemplo, no artigo Recalque (1915/1974, p. 178),utiliza-se a tradução Histeria de ansiedade; temos também um famoso artigo, Hemmung, Sympton und Angst, traduzido por Inibições, sintomas e ansiedade (1926[1925]/1974). Na Edição da Companhia das Letras, o artigo sobre o Recalque[1](1915/2010), encontramos Histeria de Angústia, para o outro artigo encontramos o título é: Inibições, sintomas e angústia. Na tradução de Luiz Alberto Hanns para o artigo O Recalque, (1915/2004), edição que é traduzida diretamente do alemão para o português, temos a tradução Histeria de angústia, ainda que seja importante ver a nota 53 da pp. 191-192, onde o tradutor justifica a escolha do termo em detrimento do literal Histeria de medo. Na nota 49 (p. 191 deste mesmo texto) Hanns cita o outro artigo freudiano propondo a tradução Inibição, sintoma e medo. No original em alemão, a Gesammelte Werke, em todos esses momentos nos quais estas edições usam ansiedade ou angústia, é usada a palavra Angst que se traduz por medo. Sendo assim, justificamos os motivos pela qual utilizaremos durante esta postagem a palavra medo, ao invés de ansiedade ou angústia que é mais comumente utilizada no Brasil. Veremos como ela faz muito mais sentido no exemplo freudiano, em especial ao se ligar ao quadro de fobia.

Na histeria de medo o recalque acontece da seguinte forma: o afeto permanece na consciência e a representação é afastada da consciência e então substituída. Para melhor entendimento do leitor, Freud apresenta um exemplo desse processo com base em uma fobia animal, a saber, o Homem dos Lobos, caso que, naquele momento, Freud já trabalhava, mas só iria publicar três anos mais tarde, em 1918.

A fobia animal apareceu quando o Homem dos Lobos se deparou com a castração. Logo ele sentiu medo do pai, o “castrador”. O recalque acontece quando aparece justamente esse medo de ser castrado pelo pai. Assim, MEDO DE SER CASTRADO → MEDO DO PAI. Segundo Freud (1915/1974, p. 179, correções de tradução nossas), “a formação do substituto para a parcela ideacional [do representante pulsional] [a representação] ocorreu por deslocamento ao longo de uma cadeia de conexões determinada de maneira particular. A parcela quantitativa [o afeto] não desapareceu, mas foi transformada em medo”. Como a representação ligada ao medo do pai em função da castração foi removida da consciência, um substituto fóbico foi a solução. A partir daí a fobia se instaura, e como formação substitutiva, num segundo momento, por meio do processo primário de deslocamento, a representação que vai se ligar ao afeto que permaneceu no consciente. O que surge é o medo do animal, no caso, o medo do lobo.

Aqui podemos levar em consideração o aspecto econômico, pois no que se refere a evitar o desprazer, essa solução fóbica falha. O medo continua, a neurose continua, mas ao invés de ser o medo do pai, agora está destinada ao medo de um animal. Sendo assim o processo de recalque na histeria de medo, como diz Freud é falho porque ele precisa de dois momentos: o primeiro onde se desenvolve o medo, no caso do Homem dos lobos, do pai; mas que, como Freud mesmo coloca no artigo O Inconsciente (1915), primeiramente o indivíduo não sabe o que teme; e num segundo momento é onde se desenvolve a fobia, se identificando o objeto fóbico.




[1] Nesta edição temos como tradução para o Die Verdrängung alemão, o título A repressão.

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