Como já postamos anteriormente, ao longo da obra de Freud na tradução brasileira da Standard Edition, encontram-se escolhas de tradução que por vezes são feitas de forma indistinta, outras por opção de palavras que não se faz muito clara e acessível, usando palavras pouco usuais no português cotidiano, e é claro, encontramos muitos erros de tradução. E mais uma vez nos deparamos com percalços deste tipo que são de extrema importância elucidar para nossos leitores, pois estes pontos fazem toda a diferença para a compreensão do que o pai da psicanálise queria nos propor.
Sendo assim, no texto O recalque de 1915, na edição de 1974, página 171, encontramos um trecho em que Freud nos fala sobre o segundo momento do recalque, o recalque propriamente dito. Vejamos o trecho em que Freud está falando sobre os chamados derivados mentais (já aqui a melhor tradução seria por derivados psíquicos [psychische Abkömmlinge]) e as ligações que vão ocorrer entre tais derivados, o que foi recalcado posteriormente e o recalque originário.
Além disso, é errado dar ênfase apenas à repulsão que atua a partir da direção do consciente sobre o que deve ser reprimido; igualmente importante é a atração exercida por aquilo que foi primevamente repelidosobre tudo aquilo com que ele possa estabelecer uma ligação. (...) Provavelmente, a tendência no sentido da repressão falharia em seu propósito, caso essas duas forças não cooperassem, caso não existisse algo previamente reprimido pronto para receber aquilo que é repelidopelo consciente. (FREUD, 1915/1974, p.171-172, grifos nosso)
Encontramos no trecho acima três palavras em destaque para as quais chamamos a atenção para as questões de tradução. Para a primeira em destaque, repulsão, temos no original freudiano a palavra Abstoßung, que se traduz por empurrão, repulsa. Aqui Freud se refere à força exercida pelo Consciente sobre a representação recalcada. Já na segunda palavra que destacamos, repelido, Freud usa o Urverdrängte, que se traduz, como já dissemos anteriormente, por recalque originário, portanto, um erro flagrante de tradução. Temos ainda, uma terceira palavra em destaque, o repelido (Abgestoßene), que está também correta, ou seja, se refere àquela representação que chega ao Inconsciente advinda do Consciente e que, no Inconsciente vai se ligar a outros elementos, oriundos do recalque originário.
Assim notamos uma nova falha na tradução para o português. Além da escolha de tradução da palavra Verdrängung por repressão durante o texto, também temos a confusão na tradução entre duas palavras, bem à maneira das ligações inconscientes, as palavras na edição brasileira se misturam e surgem, uma no lugar da outra. Temos dois momentos em que Freud fala do que foi repelido, ao início e ao fim do trecho por nós citado. Entretanto, ao meio, a palavra Urverdrängtefoi traduzida erroneamente, também por repelido.
Fato interessante é que esta tradução se dá erroneamente apenas em português. A versão inglesa corretamente traduz o Urverdrängte por primally repressed concordando com sua proposta de tradução. Ainda que não concordemos com a escolha de tradução (repressão ao invés de recalque), temos que notar que há uma coerência na tradução do alemão para o inglês. Já a versão brasileira, perde ainda mais com a tradução, errando a