quarta-feira, 4 de maio de 2016

O tempo no inconsciente

O Inconsciente enquanto instância psíquica, tem como um dos grandes diferenciais das demais instâncias o fator atemporal, do alemão zeitlos, que diz de uma certa temporalidade peculiar existente no Inconsciente, na qual o passar do tempo não faz diferença. Levantamos esta discussão em decorrência de havermos encontrado, através da nossa pesquisa, a presença da palavra tempo em dois momentos na página 173, no texto d’O Recalque, no volume XIV da Edição Standard Brasileira das obras completas de Sigmund Freud.
A primeira aparição do emprego da palavra tempo se dá na seguinte frase: “Ao executarmos a técnica da psicanálise, continuamos exigindo que o paciente produza de tal forma, derivados do reprimido, que, em consequência de sua distância no tempo, ou de sua distorção, eles possam passar pela censura do consciente.”(Freud, 1915/1974, p.173, grifo nosso). E num segundo momento temos também o trecho:“Não podemos formular uma regra geral sobre o grau de distorção e de distância no temponecessário para a eliminação da resistência por parte do consciente” (Freud, 1915/1974, p.173, grifo nosso). No texto alemão, nas duas partes citadas acima Freud se utiliza das palavras Entfernung e Entstellung, que respectivamente podemos traduzir por distância e deformação.
As duas frases citadas dizem de um caráter temporal que eliminaria a resistência, possibilitando assim a passagem dos chamados “derivados do reprimido [recalcado]” para o Consciente, quando na verdade, temos de pensar a questão por um viés de significação. Os conteúdos que “orbitarem” mais longe (enquanto significação) do ponto de fixação do recalque original, tem mais chances de se ligarem a outras representações e acederem ao Consciente, independentemente do tempo em que foram recalcados.
A referência que temos da passagem do tempo não faz com que o recalque perca suas forças. Um fato que aconteceu na infância pode provocar efeitos quando adulto. Pois o Inconsciente não funciona com a mesma noção de tempo que o Consciente; a lógica é outra. O Inconsciente não reconhece a passagem do tempo.
Para melhor clarificarmos esta questão sobre os dois trechos ao qual a Standard Edition inseriu sem sentido a palavra tempo nestes trechos, vejamos estes dois mesmos trechos na edição da Companhia das Letras, volume XII, página 88: “No exercício da técnica psicanalítica, exortamos continuamente o paciente a produzir tais derivados do reprimido, que devido a sua distância ou deformação podem passar pela censura do consciente.” E o outro trecho: “De modo geral não podemos dizer até onde tem que ir o distanciamento e deformação do reprimido para que a resistência do consciente seja removida”. Também na tradução de Luiz Hanns, página 180, temos: “durante a prática da técnica psicanalítica, solicitamos continuamente ao paciente que produza as representações derivadas do recalcado que possam, em decorrência de sua distania ou de sua deformação, passar livremente pela censura do inconsciente”; e também “Em geral, não é possível determinar até onde o grau de deformação e o afastamento do recalcadoprecisam chegar para que a resistência do consciente seja suspensa”.
Cabe lembrar também que em nenhum dos dois trechos citados, no original alemão, a palavra Zeit(tempo) é utilizada.
Ainda mais. No artigo sobre o Inconsciente, escrito pouco tempo depois, Freud nos fala que: “Os processos do sistema Ics são atemporais, isto é, não são ordenados temporalmente, não são alterados pela passagem do tempo, não têm relação nenhuma com o tempo.” (Freud, 1915, p. 93-94)
Sendo assim, não nos restam dúvidas de que Freud nestes dois trechos que discutimos diz de um caráter de significação (nem de espaço nem de tempo), ou seja, como é ilustrado na figura abaixo, quanto mais distante enquanto significação, ou quanto mais distorcido em relação ao recalque original, menos resistência atua sobre os derivados do recalque, e desta forma mais fácil seu acesso ao Consciente. É importante salientar que usamos a palavra distanteno sentido de que a representação foi se transformando, ficando longe de sua forma original, o recalque original, para que assim possa superar a barreira do recalque e seguir para o Consciente.














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