Continuando o capitulo IV sobre O Inconsciente (1915), Freud vai explicar como ocorre o processo do recalque nas neuroses, que ele chama de neuroses de transferência.
Antes de começar nossas discussões temos de fazer algumas considerações importantes no que se refere – novamente- às traduções do alemão-inglês-português, e suas edições. Na Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud (usamos aqui a edição brasileira de 1974), a partir da página 209, Freud começa a falar sobre histeria de ansiedade, já na edição das obras completas da Companhia das Letras (2010) a partir da página 89, está escrito histeria de angústia. Na edição alemã para se referir à essa ansiedade ou angústia das quais nos falam nossas traduções, Freud usa o termo Angst, que se traduz como primeira escolha, por medo. Pensar em medo nesse contexto é mais próximo da ideia de Freud, pois aqui ele está trabalhando com fobias, como ele mesmo diz na página 211 da Standard (da edição citada anteriormente) quando fala sobre as representações substitutivas, que “à totalidade dessa construção, que é erigida de forma análoga nas demais neuroses, denominamos fobia.”
Sobre as neuroses de transferência, Freud começa pela histeria de medo, onde o impulso amoroso que estava no Ics. e que se fazia necessário para passar para o sistema Pcs. através de um investimento, não o faz devido a uma fuga. Esse investimento dirigido ao impulso amoroso que seria feito à representação Ics. e que foi recalcado é descarregado como medo. Caso aconteça, em um segundo momento, o da repetição, esse investimento que não se ligou àquele impulso amoroso se liga há uma representação substitutiva, podemos dizer, representação “semelhante” à representação rejeitada outrora. Essa representação substituta é semelhante à recalcada, mas esta, por sua vez, não é recalcada devido há um processo de deslocamento que faz com que ela se transforme e fique distante de tal representação que fora recalcada inicialmente. Assim, agora fica mais claro esse medo, já que está ligada há uma representação, mesmo que substituta. Ainda há de se considerar que essa representação substituta funciona também impedindo que a representação recalcada venha ao sistema Cs., funcionando assim como um contrainvestimento, e ainda “é, ou age como se fosse, o ponto de partida para a liberação do afeto revestido de medo, que agora se tornou inteiramente desinibida.”(Freud, [1915] 1974, p.209)
Quanto à histeria de conversão, Freud vem nos dizer que “o investimento pulsional da representação recalcada converte-se na inervação do sintoma.”([1915] 1974, p.212) Assim ao invés de se transformar em medo, quando acontece o recalque da representação, esse investimento é transformado em descarga motora e vai em direção ao corpo. Além disso o contrainvestimento na histeria de conversão opera de forma diferente, pois é ele que vai participar na formação dos sintomas. Sobre o papel do contrainvestimento, Freud vem nos dizer:
É o contrainvestimento que decide em que porção do representante pulsional pode concentrar-se todo o investimento do último. A porção assim escolhida para ser um sintoma atende à condição de expressar a finalidade impregnada de desejo do impulso pulsional, bem como os esforços defensivos ou punitivos do sistema Cs. no recalque não precisa ser tão grande quanto a mantida, de ambas as direções, como a representação substitutiva na histeria de medo. (Freud [1915] 1974, p.212)
Sobre a neurose obsessiva, Freud vem citar o artigo anterior, O Recalque (1915/1974) no qual ele fala que de início algo (uma representação) foi recalcado com certo sucesso, e que em um segundo momento retorna ao Cs. sobre ação do deslocamento, um substituto por deslocamento. Assim, o recalque, da mesma forma que não é efetivo em sua totalidade na histeria retornando no corpo, no obsessivo ele retorna nas ideias, agindo como evitações, restrições e proibições nos pensamentos do sujeito. No texto d’O Inconsciente (1915/1974), Freud acrescenta que na neurose obsessiva podemos observar a ação do contrainvestimento de maneira mais clara, uma vez que é ele que assegura o recalque naquele primeiro momento, antes da representação substituta por deslocamento aparecer ao Cs., e é em função do contrainvestimento assegurar este recalque que este substituto por deslocamento aparece. Freud considera a suposição de que de certa forma o recalque na neurose obsessiva e na histeria de angústia (fobia e histeria de medo também são formas válidas, sendo que esta última seria melhor tradução para o termo Angsthysterie [Ansgt – medo], utilizado por Freud) não é tão efetivo quanto na histeria de conversão, porque nas duas primeiras o contrainvestimento opera com mais perspicácia e ainda não há uma descarga; na histeria de conversão há sim uma descarga motora, onde se percebe como a manifestação do adoecimento histérico.
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