Para bem começarmos nossas discussões acerca do Recalque, faremos algumas considerações sobre este termo. Segundo o editor inglês da Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud, Freud utilizou pela primeira vez o termo Recalque (Verdrängung) em “Comunicação Preliminar” volume II, pág. 51 da edição supracitada, na época em que Freud ainda trabalhava em conjunto com Breuer.
Ainda segundo o editor, o termo Verdrängungfoi usado no princípio do século XIX pelo psicólogo Herbart, e provavelmente chegou ao conhecimento de Freud por que Freud admirava Meynert, e este por sua vez estudava Herbart.
O “Dicionário comentado do alemão de Freud” de Luiz Hanns (1996), conceitualiza mais sobre o termo Verdrängung:
Verdrängungé habitualmente traduzido por “recalque” ou “repressão”. O verbo verdrängen genericamente significa “empurrar para o lado”, “desalojar”; (...). Conotativamente, verdrängen remete a uma sensação de “sufoco”, “incômodo”, que leva o sujeito a desalojar o material que o incomoda. Contudo, apesar de ter sido afastado, tal material permanece junto ao sujeito, pressionando pelo retorno e exigindo a mobilização de esforço para mantê-lo longe. Tais conotações coincidem, grosso modo, com aspectos do emprego do termo no contexto psicanalítico. (Hanns, 1996, pág. 355, grifos do autor).
Com isso, feito uma pequena contextualização, perceberemos que ao longo de nossas discussões iremos perpassar as poucas e tão ricas 19 páginas do desenvolvimento da psicanálise de Sigmund Freud acerca do recalque.
Freud inicia o texto sobre o recalque falando dos caminhos que a moção pulsional - que nada mais é do que uma pulsão que está no seu início - pode tomar, e que podem haver resistências que fazem com que esta pulsão inicial possa ser impedida de continuar seu caminho. Em uma ocasião que falaremos mais adiante, tal pulsão inicial de que falamos entra em estado de recalque, onde é impedida de prosseguir seu destino.
Para separar melhor o recalque de outros mecanismos de defesa, Freud coloca que quando um estímulo desagradável é exterior ao “eu”, o mecanismo de fuga é a condenação, ou censura - que se encontra entre o Pcs e o Cs - que tende a funcionar de forma um pouco mais fácil do que a situação seguinte que vamos elucidar, exatamente porque o estímulo é externo ao “eu”. Já nesta segunda situação, o estímulo é interno ao “eu” e aí nas palavras de Freud: “a fuga não tem valia, pois o eu não pode escapar de si próprio.” (Freud, 1915, pág. 169). Aqui então é onde acontece o recalque – entre o Ics e o Pcs -, anterior à censura (no post “Três barreiras à representação” nos detivemos com mais detalhes sobre esta Censura e sua localidade topográfica).
Antes da divisão do aparelho psíquico (inconsciente/consciente) a pulsão busca escoamento através de caminhos como a reversão a seu oposto, retorno em direção ao próprio eu. No texto Os instintos e suas vicissitudes (A pulsão e seus destinos), fica evidente que antes da divisão do aparelho psíquico o recalque não acontece. Lembrando que a pulsão é composta por um afeto e uma representação, onde somente a representação é recalcada. Se a pulsão provocar mais desprazer que prazer o recalque entra em cena para evitar o desprazer. A pulsão pode produzir prazer no inconsciente e desprazer no consciente, ou vice-e-versa. Se a potência ou força do desprazer for maior no consciente que o prazer o recalque não pode ocorrer. Agora, se o prazer for maior no consciente, o recalque é realizado com sucesso.
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