Ao iniciarmos os nossos estudos sobre “O Inconsciente” (Freud, 1915), partindo da leitura de diversas editoras das obras de Sigmund Freud e discutindo os conceitos ali apresentados, foi inevitável não nos depararmos com um entrave que nos trouxe a outra discussão que vai além dos conceitos teóricos: os erros de tradução.
Logo no início do referido artigo na EdiçãoStandard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud editada em 1969, discutíamos o seguinte trecho: “O alcance do inconsciente é mais amplo: o reprimido é apenas uma parte do inconsciente” (p. 191). Nesse sentido no inconsciente existem mais coisas do que só meramente uma representação recalcada (reprimida) como, por exemplo, partes do Eu, tal como Freud diz em O Eu e o Isso (1923):
Reconhecemos que o Inconsciente não coincide com o recalcado; é ainda verdade que tudo o que é recalcado é Inconsciente, mas nem tudo o que é Inconsciente é recalcado. Também uma parte do eu — e sabem os Céus que parte tão importante — pode ser Inconsciente, indubitavelmente é Inconsciente (p. 31, da edição de 1996).
Quando nos deparamos com as edições mais recentes da Standard, de 1996 em diante, observamos que nesse mesmo trecho havia um não no meio da frase: “O alcance do inconsciente é mais amplo: o reprimido não é apenas uma parte do inconsciente” (p. 171, da versão de 1996). Essa forma compromete totalmente o sentido do que Freud está nos propondo ainda mais por ser totalmente antagônica ao sentido da frase justamente anterior: “Tudo que é recalcado deve permanecer inconsciente; mas, logo de início, declaremos que o recalcado não abrange tudo que é inconsciente” (mesmas páginas nas respectivas versões). Essa última versão faz-nos entender que o recalcado é o inconsciente como um todo. Isto se apresenta como um risco para um leitor mais leigo e não muito atento, a reduzir o inconsciente freudiano a ser unicamente o recalcado, deturpando a ideia original de Freud.
Além das versões brasileiras da Imago, outras também são conhecidas atualmente. Temos a versão da Cia das Letras (O inconsciente tem o âmbito maior; o reprimido é uma parte do inconsciente) e a versão de Luiz Hanns (Ou seja: o inconsciente tem maior abrangência que o recalcado, este é apenas uma parte do inconsciente). Nenhuma dessas duas traduções apresentam o erro.
Também versões em outras línguas não apresentam esse erro. A Standard Edition espanhola traz o seguinte texto: Lo inconciente abarca el radio más vasto; lo reprimido es una parte de lo inconciente; e a tradução de Luis Lópes Ballesteros apresenta: Lo inconsciente tiene un alcance más amplio, lo reprimido es, por tanto, una parte de lo inconsciente.
A versão inglesa (Complete Works) reza: The unconscious has the wider compass: the repressed is a part of the unconscious. As duas versões alemãs (Gesammelte Werkee Gesammelte Schriften) apresentam o seguinte texto: Das Unbewußte hat den weiteren Umfang; das Verdrängte ist ein Teil des Unbewußten.
Então percebe-se que não basta – e não é possível – nos debruçarmos sobre os conceitos pura e simplesmente, temos também que nos ater às questões que se referem às versões e traduções pois, como já foi expresso, faz toda a diferença. Só assim parece ser possível compreendermos o que Sigmund Freud realmente estava escrevendo.
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